domingo, janeiro 21, 2007

As Palavras...

Gostava de escrever algo alegre... Algo que podesse voar um dia destes pelos céus, sem limites, sem horizontes nem linhas a que tivesse que obedecer...

No entanto, o meu interior é um misto de alegria e tristeza, um misto que tenho tentado combater, que penso ser, se calhar erradamente, apenas um dos lados destes dois sentimentos, um poema, uma quadra a que obedecer, escutar e ler, para depois então conseguir-me emocionar e olhar de verdade para o céu...

Recordo-me, de ter lido numa obra de Ruben Alves, que escrita feita por apaixonados, não é boa escrita, para que o seja, não pode ter aquela centelha da paixão, para que não influencie a mesma. Penso nisto por vezes, ao analisar o que escrevo, se o que escrevo estará ou não apenas influenciado por uma paixão, não tendo assim qualquer valor crítico ou de juizo acerca das questões a que tento dar atenção. Faço-o, como qualquer pessoa faz uma auto-avaliação ao seu trabalho. Se temos «brio» no que fazemos, é inegável que este processo tenha que acontecer, e assim também eu o faço com a minha escrita.

Não será isto, apenas uma parte da verdade? Esta análise feita pelo Ruben Alves? Se eu considero, serem os seus melhores escritos, tudo que foi feito na ponta da paixão, então porque dirá ele isto?

Acho, que inicialmente, deveríamos esclarecer a noção de paixão. Esta pode, como sabem existir sobre muitas formas, e a mais comum, a que todos nós inconscientemente pensamos em primeiro lugar, é a de um homem por uma mulher. Mas, existem outras paixões, podem ser as que temos sobre um assunto, sobre uma profissão, sobre um determinado acontecimento na nossa vida, ou simplesmente, uma paixão desinteressada. Chamo a uma paixão desinteressada, aquela que temos sobre tudo que nos rodeia, sobre todos a quem olhamos, sobre todos os pequeninos seres que sabemos estar ao nosso redor, e nessa altura sentimos felicidade por estarmos vivos, por podermos acordar e olhar para todas estas pequenas maravilhas, estes pequenos milagres que acontecem todos os dias ao nosso redor: seja uma imagem repentina de uma borboleta a esvoaçar delicadamente pelo ar, seja o ondular do mar, rebentado delicadamente no nosso interior, seja um sorriso inesperado que vemos no rosto de alguém, ou uma lágrima escorrendo pelas faces, teimosa.

Nestas alturas sentimos Amor, sentimos essa paixão a que chamo de desinteressada, a que acontece sem que queiramos nada de volta em troca. Apenas essa energia, nos faz impelir em frente, nos faz crescer um pouco mais, e é nesta altura que se escreve melhor...

Será então correcto, dizer que escrever sobre a influência da paixão é errado? Penso que não... Existem, várias formas de escrever também, existe escrita «séria», discursos, comentários, análises, relatórios, enfim todo esse tipo de escrita, e essa concordo que tem que ser analítica, concisa, sem paixão. Mas e aquela escrita, que nos faz querer sonhar, nos faz querer recordar a vida, nos faz sentir vivos? Essa tem que ter paixão, tem que ter essa paixão desinteressada, tem que ter centelha, pois senão não se torna sincera, honesta... Muitas pessoas, tomam sentimentos como uma «má» influência ao nosso discernimento, à nossa capacidade de julgar e tomar decisões, mas não é assim. Esta escrita precisa desses sentimentos, precisa deles para que possa relatar a vida, em todo o seu potencial, em toda a sua força, em tudo aquilo que nos pode dar e oferecer. Mesmo a escrita que é feita sobre a influência de uma paixão por uma mulher, ou alguém a quem amemos muito mesmo, pode ser boa, pois diz aquilo que sentimos, e em última análise, qualquer escrita que seja sincera e honesta, é boa.

Pode-se dizer que é uma visão demasiado optimista do mundo, muitos poderão mesmo dizer «irreal», mas não concordo... À uns tempos atrás, uma pessoa amiga, falou-me muito do modo como, um outro grande apaixonado pela vida, que é Vinicius de Moraes, a levou. O modo como procurou incessantemente a vida, as pessoas. Isso é paixão desinteressada... Olhando para qualquer um deles, vejo que todos a tiveram, que todos a souberam reconhecer e, mais importante que tudo, souberam admiti-la, viver com ela e deixaram que esta os guiasse. Não pensem, novamente, apenas naquela paixão por uma mulher... Leiam uma obra fabulosa do Ruben Alves, que é a ‘Teologia do Quotidiano’ e verão esta paixão a acontecer, leiam muitos dos versos do Vinicius e verão esta paixão a acontecer...

Pois como incluir então a tristeza nisto tudo? Pois, esse é o passo que a mim pessoalmente, faltava dar... Dentro desse misto que falei à pouco, encontram-se as palavras que fazem sonhar, os deuses que nos fazem amar, nos fazem Crescer e querer então voar pelo céu sem medos.

Podemos sempre cair, neste voo, mas quando isso acontece, logo novo parágrafo aparece para nos salvar, cavalgando pelos campos deste mundo, buscando todos os Moinhos que nele estão espalhados, para que novos ventos nos façam apenas querer soprar...

É neste misto, que podemos também escrever, é neste misto que o papél e a tinta, verdadeiramente se conhecem, se fazem entoar maiores que os Moinhos. Sorrir e chorar... Por cada lágrima, o céu sorri ao olhar para nós, e por cada sorriso, os mares choram por nós...

Podemos então escrever, e escrever bem, sobre sentimentos, com sentimentos, e fazermos nascer palavras que façam sonhar, viver...





As paixões... Que misto de beleza, a não perder...





"Amanhã – qual será o meu fado?

Mágoa, cuidados e pouco que me contente,

A cabeça pesada, o vinho derramado –

Tens é de viver, meu belo presente!



Se o tempo num voo acelerado

Altera o eterno dançar que é seu

Desta taça o grande trago

É e será sempre meu.



O fogo do meu jovem coração

Mantém-se bem aceso nestes dias.

Morte, aqui tens a minha mão,

Será que a levar-me te atreverías?”

‘Belo Presente’ de Herman Hesse, em ‘Da Felicidade’, Difel: Difusão Editorial, SA

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